sábado, 13 de novembro de 2010

Reflexões sobre as greves do ABC e o Solidarność

Jayro de Sousa Costa


Lula e Lech Walesa

Há trinta anos, Brasil e Polônia estavam submetidos as ditaduras militares e dois personagens começaram a ganhar destaque no cenário internacional: Lula e Lech Walesa.

Lula e Walesa em 1980

Brasil


O fim do milagre e a ascensão das lutas dos trabalhadores

No Brasil, o modelo econômico impantado pelo regime militar havia esgotado, o milagre econômico (1968-1974) privilegiou a concentração de renda, ao ponto de o Brasil ser considerado o país com maior desigualdade social. A classe operária brasileira que estava domesticada pelo sindicalismo pelego na época, ressurgiu com força no final dos anos 70, e duas vertentes sindicais tornaram-se referências durante esse período: A oposição sindical e o sindicalismo autêntico. Ambas se desenvolveram entre os metalúrgicos, a primeira em São Paulo e a segunda em São Bernardo do Campo, através da liderança de Luís Inácio da Silva, conhecido como Lula.
As greves do ABC tiveram inicio em maio de 1978, iniciada pelos operários da Scania Vaibs em São Bernardo do Campo, quando eles resolveram espontaneamente parar as máquinas, surpreendendo até mesmo as lideranças sindicais mais autênticas. Em seguida, proliferaram novas greves nesse ano, envolvendo não apenas os metalúrgicos, mas também as outras categorias. Na região do ABC, as greves tiveram mais sucesso, em razão do surgimento das novas lideranças sindicais, que combatiam por dentro a cúpula da estrutura sindical e defendiam a construção de um sindicalismo independente classista, de base e democrático.

A classe operária brasileira diz não ao arrocho salarial

Em São Paulo, a situação era mais complicada, pois a oposição sindical tinha que lutar contra a diretoria pelega, que na época era liderada por Joaquim dos Santos Andrade, mais conhecido por Joaquinzão, o mais famoso pelego sindical brasileiro. A oposição sindical priorizava a organização e a resistência nas fábricas e nos bairros operários, a partir da organização de base (comissões de fábrica) e desenvolvia as suas lutas fora da estrutura sindical.

O sucesso dos "sindicalistas autênticos" foi resultado em grande parte pelas lutas dos trabalhadores que já tinham experiência nas oposições sindicais e não apenas na liderança de Lula, que passou a ser o líder do movimento operário, em razão das fortes pressões internas que existiam dentro das fábricas.
Em março de 1979, as greves ganharam cada vez mais força, e nem mesmo o forte aparato repressivo do regime militar que interviu no sindicato, conseguiu dobrar a resistência dos trabalhadores. Lula e grande parte da sua diretoria, foram cassados e mesmo assim continuaram liderando o movimento. O regime militar subestimou a capacidade de luta dos trabalhadores, acreditando que a prisão dos líderes sindicais acabariam com a greve. Muito pelo contrário, a experiência no trabalho de base, em que os trabalhadores por conta própria desenvolviam as lutas horizontais, conseguiram derrotar o patronato e o governo, que foram forçados a negociar junto aos trabalhadores, em seguida, a intervenção no sindicato foi suspensa.

Lula e os operários do ABC

Nessa época, as lideranças sindicais juntamente com intelectuais, profissionais liberais, entre outros levantaram a palavra de ordem "por um partido dos trabalhadores". Essa oportunidade surgiu quando os militares resolveram acabar com o bipartidarismo (ARENA e MDB) em dezembro de 1979. Em fevereiro de 1980, o crítico de arte Mário Pedrosa teve a honra de assinar o manifesto de lançamento do Partido dos trabalhadores.
Em 1980, A greve dos 41 dias, demonstrou de fato a grande maturidade que adquiriu a classe trabalhadora frente a ditadura e o patronato. A greve iniciou em 31 de março, em razão da recusa por parte da burguesia, em aceitar a proposta dos trabalhadores de aumentar a produtividade em 7% condicionada a estabilidade de emprego durante um ano. O governo decretou a ilegalidade da greve, proibiu qualquer manifestação dos trabalhadores em assembléias e no Estádio de Vila Euclides, e prendeu as lideranças sindicais que foram enquadradas na Lei de Segurança Nacional.
No entanto, a classe trabalhadora novamente demonstrou a sua força contra o patronato e o estado ditatorial com seu aparato repressivo, desafiando-os e gritando em alto e bom som "Trabalhador unido jamais será vencido" . A manifestação do 1 de maio de 1980, o trigésimo primeiro dia da greve, simbolizou a vitória das luta dos trabalhadores, porque eles decretaram o fim da legislação e anti-greve e adquiriram a consciência que somente através das suas lutas, eles poderiam lutar diretamente contra o capital. O trabalho de base nas fábricas, nos bairros, e nas igrejas progressistas foi determinante para o sucesso dos trabalhadores.

Polônia
O solidariedade põe em xeque o capitalismo estatal dos comunistas


A Polônia vivia a era do capitalismo de estado que massacrava os trabalhadores. A economia estatal era dominada pela burucracia do POUP, o partido único local, a única propriedade privada permitida nessa nação. Enquanto isso, os trabalhadores eram explorados e produziam mais-valor que eram apropriados pelos burocratas poloneses que governavam com mão de ferro o país. Os sindicatos como qualquer país pseudo-comunista estava atrelado ao Estado e a cúpula do POUP. Qualquer iniciativa por parte dos trabalhadores, de criar um sindicato independente do Estado, e que representasse de fato os seus interesses, era brutalmente reprimida e os seus membros eram recrutados na prisão, nos hospitais psiquiátricos e, em casos mais extremos eram fuzilados.
Após a segunda guerra mundial, a Polônia se tornou como a maioria dos países da Europa oriental, um país subjugado sob as ordens da União Soviética. Assim como a Hungria (1956), a Tchecoslovaquia (1968), a Polônia se tornaria um dos maiores empecilhos ao imperialismo soviético, em razão da forte oposição nesses países, através da inúmeras revoltas que geralmente eram esmagadas pelos tanques moscovitas.
A Polônia tinha registrado uma série de revoltas contra o estado bolchevique polonês e ao imperialismo de Moscou. Em 1956, a luta dos trabalhadores conseguiu a libertação de 35 mil prisioneiros políticos, decorrente a promulgação da Anistia e, em seguida surgiram novas greves reinvindicativas em Poznam, na usina Zispo. O governo "socialista" resolveu não atender as reinvidicações operárias de democratizar o espaço de trabalho, diminuição da jornada de trabalho que chegava até as 16 horas , e do estado. Em resposta, os trabalhadores decidiram invadir a rádio estatal, forçando a abertura das prisões, e parte deles enfrentaram a polícia política stalinista. Resultado: 75 mortos, 900 feridos e 746 presos. Essas lutas foram o embrião do sindicato independente Solidariedade (Solidarność).

o solidariedade contra o capitalismo estatal

Durante a era 1955-1970, a Polônia desenvolveu o capitalismo estatal através da especulação financeira, tráfico de divisas, racionamento dos bens de consumo que deu origem a um imenso mercado negro e a procura de empregos para complementar o salário. Em novembro de 1970, surgiram novamente as greves nos estaleiros de Gdanky, Gdynia, Szczecin e Eblag, em razão do aumento dos preços alimentícios gerado principalmente pelo racionamento de bens de consumo. O governo recusou qualquer tipo de dialogo e reprimiu o movimento com tanques e metralhadoras.
Edward Gierek substituiu Wladyslau Gomulka no governo e após demitir boa partes dos operários envolvidos na greve, esvaziando o movimento, decidiu inaugurar a "era da propaganda do sucesso" fundada na industria de base e um forte apelo ao consumo que deu origem ao "milagre polonês", elogiada pelos países capitalistas ocidentais. Resultado: aumento colossal da dívida externa e uma crise interna que possibilitou o surgimento de um movimento sindical independente do estado "comunista".

operários no estaleiro Gdańsk

O Solidarność surgiu como uma organização de base por parte dos trabalhadores em agosto de 1980, nos estaleiros de Gdańsk, onde Lech Walesa e outros companheiros fundaram cladenstinamente o sindicato solidariedade, o primeiro sindicato independente do bloco soviético. O sucesso do movimento foi graças as lutas autogestionárias realizadas pelos trabalhadores nos locais de trabalho que desestrurou o verticalismo burocrático do sindicato oficial do país. Além disso, o Solidarność contou com apoio de amplos setores da sociedade, especialmente a Igreja Católica, liderado pelo cardeal Karol Woityla, que havia sido recentemente nomeado como papa João Paulo II.
O movimento sindical ficou caracterizado pelo pluralismo ideólogico, já que existiam correntes nacionalistas, socialistas independente e sobretudo a ala católica que era majoritária e radicalmente anti-comunista* (*bolchevista). Diante da força do movimento, o Estado "socialista" teve que reconhecer o direito de greve, eliminando o monopólio do poder da burocracia sindical aliada ao POUP.

Walesa lidera as greves

No inicio, o Solidarność pretendia criar uma república autogestionária, limitando o poder do Estado, através da autogestão das instituições, sem realizar uma revolução que destruísse o aparelho do estado. O sindicato alternativo polonês conseguiu mobilizar praticamente toda a sociedade e chegou a reunir 9 milhões de inscritos em um país com um contingente trabalhista de 12,5 milhões de pessoas.
A resposta do "estado operário" frente a insubordinação popular que ameaçava o poder do partido e do sindicato oficial foi apelar para o único recurso disponível: o exército. Em 13 de dezembro de 1981, o conselho militar de salvação nacional, liderado pelo ministro da defesa, o general Wojciech Jaruzelski deu um golpe de estado, salvando a burocracia e declarando o estado de guerra contra os trabalhadores.
O Solidariedade foi dissolvido pelo governo e as várias associações civis de estudantes, de jornalistas, profissionais liberais, surgidas naquela época, foram proibidas de se manifestar publicamente. O governo estabeleceu a Lei Marcial contra a desobediência civil punida com prisão e até mesmo pena de morte.
Apesar da forte repressão, o Solidarność continuou ativo clandestinamente e conseguiu de certa forma brecar as tentativas "reformistas" de Jaruzelsky. Em 1983, Lech Walesa recebeu o prêmio nobel da Paz, um golpe fatal ao governo "comunista", que impediu Walesa de receber o prêmio. Além disso, o papa João Paulo II teve um papel fundamental de incitar a resistência católica frente aos burocratas polonês que aos poucos tiveram que ceder gradualmente o poder, iniciando o fim do capitalismo estatal polonês, que teve fim em 1989.


Dois ex-operários que chegaram a presidência
Solidariedade ao neoliberalismo

Em 1989, o governo polonês e o sindicato selaram um acordo para a transição da ditadura a democracia que permitiu as eleições parcialmente livres, parcialmente porque o POUP queria manter a todo custo no poder. A exdruxula coalização levou Juarezky a presidência da república e o jornalista católico Tadeuz Mazowiecki, editor do diário do solidariedade, ao cargo de primeiro ministro. No governo, o solidariedade jogou no lixo o programa autogestionário, e aplicou o mais rigoroso liberalismo, que aparecia como a única viável a gestão estatista. Em 1990, em visita ao Brasil, o vice-presidente polonês Piotr Konopka chegou a afirmar essa pérola "vemos a economia de mercado a solução para o desemprego, a inflação e a ineficiência".
Em dezembro de 1990, Walesa chegou a presidência e deu a sequência ao programa ultra-liberal. O estilo autoritário e fanfarrão passaram a ser marcas registradas do novo Walesa, nacionalista e religioso assumiu ser o macho que tanto a Polônia precisava, o "polonês de sangue puro". As reformas liberais diminuiram a inflação, estabilizou a economia, aumentou o mercado consumidor, mas ao mesmo tempo aumentou o desemprego, a pobreza e as desigualdades sociais. Após cumprir o mandato presidencial em 1995, Walesa tirou a seguinte conclusão 1/3 da população melhorou, 1/3 da população continuaram na mesma e 1/3 da população piorou.

O Lulismo

Lula começou a disputar as eleições em 1989, em meio a queda do muro de Berlim, que jogou no lixo o fajuto socialismo no Leste Europeu. O programa do partido defendia mudança em "favor da classe trabalhadora", nas quais estavam esses requisitos: recuperar o poder aquisitivo dos trabalhadores, através de reformas sociais: agrária, urbano, maior intervenção do estado na economia, saneando as empresas estatais, em detrimento as empresas privadas combatendo a especulação financeira e o não pagamento da dívida externa.
O discurso considerado à esquerda assustou as classes dominantes que fizeram de tudo para eleger Fernando Collor de Mello para impedir o avanço "totalitarismo vermelho" que contou com amplo respaldo dos grandes meios de comunicação. A Globo patrocionou a vitória de Collor, e ele conseguiu finalmente se eleger como presidente da república. Iniciava-se aí o neoliberalismo brasileiro levado mais adiante por Fernando Hernrique Cardoso.
Derrotado duas vezes por FHC nas eleições presidenciais de 1994 e 1998, Lula apereceu com um discurso diferente, o Lula light. O campo majoritário do PT apostou em uma proposta mais amena e improvável: humanizar o neoliberalismo, abandonando dessa forma, o discurso social-democrata que era característico do partido. Após ter vencido duas vezes as eleições em 2002 e 2006, Lula seguiu o mesmo modelo econômico, mas desta vez, ampliando o mercado consumidor com mais eficiência do que os antecessores, o que garantiu uma imensa popularidade. Nem mesmo as denúncias de corrupção ocorridos durante seu governo, e amplamente divulgado pela grande imprensa, que nunca foi simpática ao mandatário e sua trajetória de lutas foram suficientes para abalar a sua imagem.

O papel conservador dos sindicatos

Os sindicatos foram organizações criadas pelos trabalhadores para se defender da exploração capitalista. Esses orgãos surgiram espontaneamente através das associações dos trabalhadores, no inicio do século XIX. No entanto, a legalização do sindicato pelo estado capitalista permitiu o surgimento de uma burocracia sindical, na qual Engels denominou de aristocracia operária, que passou a defender os interesses do estado burguês.
Em ditaduras militares, geralmente uma parcela das direções sindicais passam a atuar em defesa dos trabalhadores como são os casos de Lula e Walesa. No entanto, as lutas dos trabalhadores não ficaram restritas apenas aos sindicatos, mas também fora dele, como as comissões de fábrica, comitês de lutas e conselhos operários como se registrou no Brasil e mais radicalmente na Polônia.
No Brasil, a luta sindical permitiu o surgimento de um partido surgido na base, ou seja, de baixo para cima, o Partido dos Trabalhadores. A grande novidade do PT era o fato de ser um partido que tentava se distinguir tanto da social-democracia como da estrutura leninista.
No entanto, as esperanças de construir um partido classista foram em vão, pois como qualquer partido, o PT assimilou a democracia representativa e a atuação parlamentar e todo iniciativa de base foram aos poucos sendo relegadas. A formação da CUT (Central Única dos Trabalhadores) em 1983, que esteve sempre ligada ao PT tentava combater os sindicatos pelegos, atuando de forma mais radical que as outras centrais, apresentando como sindicalismo autêntico. Outra ilusão! a CUT mesmo atuando mais radicalmente do que as demais centrais, incorporou a mesma estrutura verticalizante que se caracteriza todos os sindicatos, e as lutas autônomas por parte dos trabalhadores, como as comissões de fábricas, surgidas na empresas, logo elas foram transformadas como meios de transmissão dos dirigentes sindicais.
Esses fatos explicam a razão do caráter conservador dos sindicatos que atuam em defesa dos trabalhadores, mas especificamente em questões pontuais, como é o caso da diminuição das horas de trabalho, aumentos salariais. Quando as empresas tentam modificar as condições de trabalho, aumentando a tecnologia, geralmente os sindicatos cedem a pressão. Os dirigentes sindicais, ao contrário do trabalhador comum, não correm risco de serem despedidos e, inclusive os sindicatos conforme o seu crescimento entram a fazer parte da jogatina do mercado capitalista como é o caso dessa reportagem que está nessa página:
Os fatos comprovam que os sindicatos não representam os trabalhadores e é praticamente impossível acreditar que esses orgãos possam servir para uma atividade revolucionária como afirmam as seitas leninistas. Os sindicatos servem mais para disciplinar a mão-de-obra capitalista e, a maioria dos trabalhadores nem sequer conhece quem são os dirigentes sindicais. Esse fenômeno é mundial!
No Brasil, a luta dos trabalhadores durante as greves do ABC (1978-1980) abalou o regime militar, mas não o suficiente para derrotá-lo. A maior parte dos membros vindos da ditadura, continuaram a exercer o poder político e econômico e muitos deles, atualmente são aliados ao governo do PT.
Na Polônia, a classe operária por pouco não implantou uma república autogestionária, mas um golpe de estado, atrapalhou os planos, a responsabilidade das lideranças sindicais foram de não oferecer resistência por temerem a invasão do exército soviético e terem deixado o aparelho do estado intacto. Somado a isso, a influência da Igreja Católica que temia uma forte radicalização que colocasse em risco a vida do papa João Paulo II e também a própria estrutura da Igreja.
No entanto, deve ser destacado o papel não apenas de Lula e Walesa, mas principalmente dos trabalhadores, que desafiaram dois regimes opressivos de capitalismo distinto, e conseguiram mesmo parcialmente, concessões para melhorar as condições de luta para combater a exploração feroz que eles foram e ainda são submetidos.

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